quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Com os olhos do coração

O Natal vinha chegando e com ele todos significados

Isso é o que Ela mais temia...

Tinha ficado dispersa sabe-se lá quanto tempo, olhando para a vitrine enfeitada da loja de grife em que se encontrava .

Odiava ir ao shopping mas, como safar-se naquela época dos compromissos dos presentes?

Piscou rápidamente para que a lente de contato ficasse mais umificada e voltou a prestar atenção na vitrine.

Imensas bolas prateadas pendiam do teto , tudo era realmente tão bonito naquele período do ano.

Gostava de comprar os presentes ainda em outubro mas devido a tantos compromissos tinha iniciado essa função, nos primeiros dias de Novembro. Ai não tinha jeito, era cair na armadilha daquele clima natalino com musiquinha e o rombo no cartão de crédito.

Que remédio!

Lembrava da época de criança pobre, quando o Natal significa só ver vitrines e nada mais. Tempos difíceis de grandes desejos e renúncias muito maiores.

Negava-se todavia, a aceitar que o Natal fosse nostálgico.

Transformava sua vida naquela época, procurava criar um clima propício a sentimentos de alegria. Esmerava-se nos enfeites, nos detalhes de lacinhos, de sininhos e músicas natalinas. Simplesmente amava montar a árvore o presépio e tudo mais.

- Natal só deveria ser alegria - pensava ela lutando com o sentimento de extrema tristeza que se apoderava dela depois de tantos anos. Eram tres anos de perdas sucessivas de entes queridos. Tinha começado com seu pai, depois com o acidente de seu marido e terminado com o suicídio de sua irmã. Não dava nem para superar uma e outra perda já havia acontecido.

- A morte é uma certeza completamente dispensável - pensou balançando a cabeça.

Resolveu desanuviar a mente indo tomar um café para espantar os pensamentos aziagos.

Sentou numa mesinha no fundo da loja porque tinha a vista da cidade. Assim, de costas para a entrada, podia ficar mais a vontade sem se preocupar com os olhares de algum conhecido que entasse. Não suportava mais receber pêsames.

_ Já escolheu senhora? _ Perguntou a garçonete solícita se aproximando da mesa

Ela estava com o cardápio aberto mas o olhar espraiava-se pela cidade aos seus pés.

_ Um capuccino , por favor.

A garçonete anotou o pedido e se retirou levando o cardápio.

Ela remexeu uma das sacolas e retirou o livro que acabara de comprar, mais um guia de viagens, era sua mania.

Estava de viagem marcada para Petra com duas amigas, iria no início do ano e precisava saber mais do lugar para que o passeio fosse aproveitado ao máximo.

Tinha começado a ler mas o barulho do ambiente e sua impaciência, não ajudou na sua concentração. Guardou o livro de novo e então, apoiou o queixo nas mãos deixando os cotovelos sobre a mesa, pouco se importando com a etiqueta. Ficou ali pensando enquanto esperava ser atendida, pensando na vida.

De repente uma bengala caiu aos seus pés e assustou-a. Viu tratar-se de artigo usado por deficientes visuais. Apanhou-a rapidamente para devolver ao dono.

-Opa,vejo o susto lhe acordou ! - disse uma voz masculina ao seu lado

Ela virou-se e viu tratar-se de um senhor muito elegante. Era alto e esguio. Os cabelos fartos eram quase todos brancos apesar do rosto, ser ainda bem jovem. Usava um óculos escuros e tinha um sorriso perfeito.

-Não estava dormindo, estamos numa cafeteria. _ Respondeu Ela rispidamente, surpresa pela incoveniência do desconhecido.

- É verdade, mas penso que sonhando você estava...E daqueles sonhos bons porque, perdi a conta das vezes que suspirou - disse ele com outro sorriso maravilhoso e parecendo não se importar nem um pouco com o tom da sua voz nem com a cara de poucos amigos.

Ela já havia até esquecido da bengala na sua mão

- Com licença vou procurar de quem é isso - e mostrou a bengala para Ele

- Bom se "isso" for a minha bengala pode me entregar agora que eu agradeço...sorriu lindamente

Ela ficou sem jeito pois não imaginava, que ele possuisse aquela deficiência.
Percebia seus olhos por trás da lente degradê dos seus óculos relativamente escuros e tinha visto que ele a fitava com atenção.

- Err...disse gaguejando não imaginava que fosse sua, pois aqui do outro lado tem uma senhorinha de idade e eu...

_ Bom vou tomar essa atitude como um elogio - primeiro porque estou fingindo muito bem e deu uma gargalhada - Afinal ser cego e convencer que enxerga, é sensacional não ?

Ela não conseguiu responder, tão estupefata que estava

- Não precisa ficar assim disse ele calmamente - Desculpe a intromissão mas eu estava aqui a algum tem antes de você chegar. Percebi que deve estar sendo difícil esse dia pois até para puxar a cadeira ...

- Como assim ? Como você percebeu tudo isso sem me enxergar? Desculpe mas o senhor está sendo incoveniente.

- Desculpe então, não fique chateada ...Desde que fiquei assim, meus outros sentidos ficaram mais potencializados ..Sabe como é , né? Você já deve ter ouvido falar nessas coisas.

- É... - Já não sabia o que dizer para aquele homem que se fazia tão íntimo

- Você trabalha em que ? ele perguntou

- Sou advogada. Auditora aposentada.Respondeu retesando-se na cadeira, procurando ser objetiva e cortar o papo. Afinal aquela conversa estava ficando maior do que precisava

- Então não mande me prender pela agressão da bengala, ok? riu novamente.

- Não tinha essa intenção, creia - Parecia que toda a sua intenção de fechar ocontato era em vão para aquele vizinho verborrágico

A garçonete chegara finalmente com seu pedido e o cheiro do capuccino encheu suas narinas com aquele aroma suave e adociacado.

- Também adoro capuccino, me lembra a Itália, especialmente Milão. Nada como o outono, assistir uma ópera e depois tomar um capuccino na galeria .
Ele não parava de falar com Ela com sua voz grave e calma. Certamente era prazeroso ouvi-lo pois oferecia uma riqueza de detalhes sobre os locais e momentos que havia vivenciado

Ela ouvia aquela dissertação sobre os prazeres da Itália, bebericando seu capuccino vagarosamente enquanto analisava com cuidado as linhas do queixo quadrado daquele homem atraente.

-Como será que Ele ficou cego desse jeito? - Ela se indagava - Porque para conhecer tudo com tantos detalhes deve ter sido há pouco tempo, concluiu.

- Você ainda está ai ou estava sonhando de novo?

- Como?

_ É que fiz uma pergunta e você não respondeu...

- E que estava "viajando" com sua história ai me distraí, perdão - Ficava se perguntando ao mesmo tempo porque não saia dali. Por que permitia aquele homem ficar participando sua vida com ela.

- Se assim é metido imagina quando enxergava! _ pensou ela

- Você deve estar me achando muito incoveniente não é mesmo. Me desculpe , é que as vezes me empolgo quando tenho uma mulher bonita por perto...

- Bonita? Você nem está me vendo ou tocando...

- Se você não enxergasse ia saber do que estou falando.

Ela percebeu que o tom da voz que havia falado com ele havia sido grosseiro novamente. Certamente Ele a tirava do sério mas isso não justificava perder os bons modos.

Terminou o seu capuccino rapidamente e despediu-se dele.

_ Sinto muito deixa-lo mas, tenho um compromisso. Foi um prazer conhece-lo. Estendeu a mão pra cumprimentá-lo e vendo que ele não percebia, tomou sua mão apertou-a com firmeza.

_ Posso dizer que senti o mesmo disse Ele levantando-se rapidamente.

_Espere um momento. Colocou a mão no bolso traseiro da calça e de lá retirou seu cartão de visitas.

- Quem sabe você possa me ligar para tomarmos um café na mesma mesa, prometo não falar muito. da próxima vez...Vou só ouvi-la, prometo disse oferecendo outra vez aquele sorriso radioso.

Ela estirou a mão para pegar o cartão dele e em seguida ofereceu o seu. Ele tocou sua mão e disse .

- Você tem as mãos macias de intelectual. Espero que ligue para mim.

- Ela sentiu seu rosto arder. Estaria ruborizando? - Era só o que estava faltando - dise consigo mesma - Seus olhos encontraram os dele, que fitavam o seu rosto guiado pelo som da sua voz. Era um homem realmente encantador.

Duas semanas se passaram desde aquele dia. Suas amigas haviam desistido de viajar para a Jordânia , Ela estava tremendamente aborrecida, havia planejado cuidadosamente cada detalhe, cada local a conhecer e agora tudo fora de água abaixo...
Quando o telefone tocou estaba sentada na bay window do seu quarto olhando a chuva de verão que transformava a paisagem, gostava das tempestades
_Alô falou impaciente
- Não me diga que depois de tanto tempo ainda liguei na hora errada.
Ela sabia muito bem de quem era aquela voz. Ficou patalisada sem saber o que falar
_ Ei tem alguém ai do outro lado? ele ria divertido
Parecia sempre estar sobre controle. Ela praticamente começava a odiá-lo por isso
_ Oi como vai... foi o máximo que conseguiu falar
_ Comigo tudo ótimo, mas com você o caso parece diferente , não?
_É hoje eu não estou num dia muito bom.
_ Que tal comemorarmos esse "desastre" naquela cafeteria?
_Hoje eu não enfrentaria um shopping nem amarrada - Sorriu
_ Então que tal jantarmos ? Olhe nem se preocupe que não vou dirigindo, afinal quero beber um pouco, terminou com uma risada
Como ela podia resistir a tamanho charme...Aquele homem possuia a capacidade de tira-la do sério . Mas naquele dia talvez ela estivesse precisando mesmo de um bom divertimento.
_ Tudo bem, a que horas devo estar pronta ?
_ 20 horas está bom prá você?
_ Tudo bem então
Ela desligou o telefone e uma alegria adolescente tomou conta dela. Sorriu mordendo o canto do lábio enquanto olhava a ventania que castigava as árvores em frente ao seu prédio.

continua...

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